No berço do futsal, sobrou o saudosismo
Caxias do Sul, que deu início a profissionalização do esporte na década de 1980, perde investidores e vive ocaso
Foto: Gabriel Lain
William Mota
william.mota@folhadecaxias.com.br
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A Tailândia está encantada. Enquanto a noite cai no Brasil, o sol já nasce do outro lado do mundo e a parte desportista da população do país asiático se movimenta ansiosa rumo ao ginásio para assistir o show dos atletas na Copa do Mundo de Futsal da Fifa, que está em andamento. Em quadra, os melhores times do mundo. Em quadra e fora dela, o ala Falcão, ídolo único do futsal brasileiro na atualidade, que mesmo machucado atrai as atenções nos bastidores. Pela televisão, milhões de pessoas assistem aos jogos, sobretudo os que envolvem as seleções do Brasil, do Irã e da Espanha, principais favoritas ao título.
Muitos dos telespectadores, no entanto, assistem aos jogos com o coração cheio de saudosismo em Caxias do Sul. A cidade passaria alheia a esse evento esportivo não fosse pelo fato de ter sido responsável por parte do que acontece naquelas quadras nesse mês de novembro. Isso porque foi na Serra gaúcha, em meio a década de 1980 que o futsal se profissionalizou e se popularizou como esporte de alto rendimento e alternativo ao tradicional futebol, capaz de produzir ídolos, provocar paixão e movimentar enconomia.
Foi da Pérola das Colônias o primeiro grande time de futebol de salão - como era denominado à época. No tempo em que o esporte era disputado com uma bola mais pesada e menor do que a de hoje, foram as quadras de Caxias do Sul que viram desfilar os verdadeiros gênios da técnica e da habilidade em um espaço pequeno. Foi aqui também que se conheceram os chutes mais fortes do país, em um tempo em que gol só valia de fora da área - que era menor, é bem verdade.
Ainda que muito praticado desde sempre, o futebol de salão não dava indícios de se tornar esporte de massa, profissional ou mesmo de interesse nacional. Depois do que aconteceu em Caxias, no entanto, a evolução da modalidade foi avassaladora. Taticamente, nas regras, no fazer do dia a dia, o futsal deu nome a uma paixão que jamais deixará de existir, mesmo para aqueles que a adormeceram na memória. Muitos dos quais, mais por necessidade do que por opção.
Apesar de ter dado aconchego como berço do esporte, a cidade ficou para trás e hoje sequer figura como sede dos campeonatos profissionais de Futsal. Caxias do Sul perdeu investidores, perdeu o Ginásio Municipal - implodido após perder o teto em uma nevasca - e viu esfriar a paixão dos torcedores da Enxuta, que nunca conseguiram se adaptar e comprar a ideia dos novos times.
O exemplo que vem da região
Os exemplos de Jaraguá do Sul/SC e Carlos Barbosa - respectivamente as cidades que mais têm títulos de expressão desde o final da Enxuta - deixam claro que para ser vencedora no futsal uma comunidade precisa de uma empresa que invista alguns milhões de reais por ano (nesses casos, Malwee e Tramontina), um ginásio amplo e moderno (Arena Jaraguá e Centro Municipal de Eventos) e uma comunidade que, sem divisões, conduza o projeto com apoio que vai desde logístico até na arquibancada no dia do jogo.
Curiosamente, vem de Jaraguá também a maior prova de fracasso oriunda da divisão de forças. Por uma briga política interna, a Malwee retirou o investimento do time, que acabou no dia seguinte. Hoje, a cidade voltou a ter um time, mas que nem de longe lembra a verdadeira seleção que conquistou tudo sob comando da dupla Falcão e Ferreti. O futsal vencedor de Jaraguá sucumbiu tal qual o de Caxias do Sul, diante da falta de investidores e de apoio unânime, algo que sobra em cidades como Carlos Brabosa e Orlândia/SP, terra do atual campeão da Liga Futsal, a Intelli, time pelo qual joga o único ídolo atual do esporte, o ala Falcão.
Ênio Aguiar acompanhou todos e trabalhou em quase todos os times da cidade ao longo de quase 30 anos. Segundo ele, o futuro do futsal em Caxias passa pela necessidade da construção de um ginásio grande, moderno e público. “Derrubar o Pedro Carneiro Pereira foi um grande erro. Sempre que um time acabava na cidade, nós dávamos sequência porque havia um bom ginásio para se trabalhar. Se o Poder Público construísse um novo ginásio para três ou até cinco mil pessoas, teríamos a estrutura suficiente para que viesse um novo projeto”, acredita o dirigente, que hoje mantém uma escolinha de futsal na cidade.
As principais equipes: Ao longo dos anos, nenhum time caxiense se destacou mais do que a Enxuta. Também é verdade que outras iniciativas e agremiações representaram bem a cidade em competições estaduais e nacionais:
►Enxuta - Fundado em 1985 para disputar a Olimpíada do Sesi, o time da empresa Triches cresceu e se profissionalizou. Foi campeão gaúcho no ano seguinte. Em paralelo, a empresa construiu o Ginásio Enxutão, que seria palco das maiores conquistas do time. Até 1996, ano em que o futsal foi fechado, o time foi seis vezes campeão gaúcho e três vezes campeão da Taça Brasil.
►Vasco da Gama - Oriundo do futebol de campo amador, o Vasco da Gama rivalizou com a Enxuta. Sempre utilizando a base formada pelo próprio clube, o Vasco chegou a ser vice-campeão da Taça Brasil, em 1996, perdendo justamente para a Enxuta. Construiu um ginásio no Bairro Pio X e sucumbiu diante do alto nível no final da década de 90 pela falta de investimento. Ainda hoje está em atividade, disputando campeonatos de categorias de base.
►UCS - Absorvendo o que sobrou dos times anteriores, o projeto de futsal da universidade começou no início dos anos 2000. Foi vice-campeão gaúcho duas vezes, em 2002 e 2004. Sempre com um patrocinador forte, a equipe tinha bons resultados e disputava a Liga Nacional. Em 2006, com o término do investimento da universidade, o time passou a ser gerido pela empresa Cortiana, conquistando o vice-campeonato do Estadual de 2007 e se transferindo para Farroupilha no ano seguinte. A saída do time da Cortiana marcou o final do futsal de alto nível na cidade.
(Fonte: Folha de Caxias)
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